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PSG NA MÍDIA

17 de maio de 2022

Propostas de impostos sobre dividendos e taxação de fortunas voltam ao debate

Estudo revela que 84% dos brasileiros concordam que os mais ricos devem pagar mais impostos para financiar esses serviços públicos

 

(Imagem: FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC)

 

Publicada em: 17/05/2022

Nícolas Pasinato

 

Em maio do ano passado, levantamento publicado pela Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Datafolha mostrou que mais da metade dos brasileiros (56%) defende o aumento de impostos para financiar políticas públicas sociais, como investimento em educação, moradia e saúde aos mais necessitados do País, e 84% concordam que os mais ricos devem pagar mais impostos para financiar esses serviços públicos.

 

Intitulada Nós e as Desigualdades, a pesquisa revela ainda que 86% dos brasileiros e brasileiras afirmam que o governo tem a obrigação de reduzir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres e 85% pensam que o poder público precisa reduzir as desigualdades regionais no Brasil.

 

Aos poucos, medidas convergentes à opinião pública revelada pelo estudo começam a ganhar força ao redor do mundo, em especial, após a pandemia do novo coronavírus. Em abril deste ano, por exemplo, o FMI (Fundo Monetário Internacional) sugeriu aos países que enfrentam problemas de falta de recursos públicos que avaliem aumentar as taxas sobre empresas que tiveram lucros acima da média em meio à crise sanitária. O órgão, porém, não detalhou como essa taxação poderia ocorrer na prática.

 

A alegação é de que muitos governos deram auxílios econômicos durante a pandemia, como reduções de impostos, que serviram de suporte para empresas e famílias em um momento de dificuldade. Por outro lado, isso levou ao aumento do endividamento dos governos, que agora se encontram com menor poder financeiro para seguir apoiando áreas necessitadas. No Brasil, por exemplo, a dívida pública federal deve alcançar R$ 6,4 trilhões neste ano, conforme previsão do Tesouro Nacional.

 

Outro exemplo se deu na Argentina, no final de 2020, quando foi aprovado o que ficou conhecido como “imposto de grandes fortunas”, uma lei que tributa uma única vez patrimônio de mais de 200 milhões de pesos argentinos. O percentual de taxação varia entre 2% e 3,5% quando a fortuna declarada ao Tesouro ultrapassar 35 milhões de dólares.

 

No Brasil, o debate relacionada a esse movimento ganhou um novo capítulo no dia 9 de maio, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o andamento de uma reforma do Imposto de Renda (IR) mais enxuta, criando taxação sobre dividendos, que é a parte do lucro das companhias distribuída aos acionistas, além de uma redução na tributação sobre as empresas.

 

A minirreforma tributária envolveria a redução da alíquota de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), dos atuais 34% para 30%. Os dividendos, por sua vez, seriam taxados em 10% (hoje, eles são isentos). Se aprovadas, as medidas entrariam em vigor em 2023.

 

“A hora é agora. Já aprovamos a reforma da Câmara dos Deputados, está travada no Senado. Podemos fazer versão tributando os super ricos e reduzindo os impostos sobre as empresas, é o que falta para receber os investimentos de fora”, afirmou Guedes

 

O projeto mencionado pelo ministro que se encontra paralisado no Senado prevê taxação de lucros e dividendos de 15% e tributação do lucro das empresas de 34%. Ou seja, a minirreforma do governo federal teria alíquotas mais brandas nesse sentido.

 

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator da proposta do Imposto de Renda no Senado, é crítico ao conteúdo da peça já aprovada no Congresso Nacional e vê como positiva a fala recente de Guedes. “Havendo uma efetiva redução da tributação das empresas e uma simplificação de suas obrigações, vejo como positiva a fala do ministro”, afirmou.

 

Segundo o senador, a proposta que veio da Câmara precisaria de vários ajustes para se tornar viável. “A partir do momento em que a reforma seja para simplificar, para reduzir a tributação e não prejudique os contribuintes, a chance de avanço da matéria ganha corpo”, afirmou.

 

Enquanto a equipe econômica do governo federal estuda mudanças para empresas, a pasta não prevê alterar neste ano o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. A análise jurídica é de que há restrições impostas pela legislação eleitoral, uma vez que a medida ampliaria a faixa de isenção.

 

Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributa dividendos

 

 

O Brasil faz parte da restrita lista de países do mundo que não tributa o pagamento de dividendos, que é a parcela de lucro das empresas distribuída aos seus respectivos acionistas. Conforme tabela atualizada de estatísticas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além do Brasil, somente Estônia, Letônia e Colômbia não cobram impostos na distribuição de resultados.

 

A isenção, no entanto, nem sempre prevaleceu no País e as divergências em torno do assunto são antigas. A alíquota sobre lucros e dividendos era de 15% até a implementação da Lei nº 9.249, em meados da década de 1990.

 

“Em 1995, foram apresentados inúmeros questionamentos, especialmente em razão da suposta perda de arrecadação. Entretanto, a justificativa para a sua criação foi justamente fomentar o desenvolvimento da economia nacional, para garantir um ambiente de negócios estável e previsível, além do retorno de investimentos ao investidor”, afirma a advogada e especialista em direito tributário Jéssica Garcia Batista.

 

Segundo ela, na época, a iniciativa se demonstrou eficaz pelo desenvolvimento que a economia nacional atravessou nos anos 2000. A advogada vê com desconfiança a tributação de “super-ricos” mencionada por Guedes. “A intenção apresentada pelo Governo de enxugar a proposta de reforma tributária é muito válida, já que a redução de matérias para apreciação e aprovação tende a ter um trâmite mais célere. Entretanto, os pontos apresentados para alteração são muito polêmicos, o que pode não surtir o efeito desejado”, declarou.

 

De qualquer maneira, a advogada avalia que o período de ano eleitoral não é o mais propício para avançar em pautas como essa. “O ideal, quando se fala em alteração de sistema dessa magnitude, é que todas as propostas em votação sejam avaliadas com calma e estabilidade, e pelos integrantes das casas Legislativas do início ao fim, já que sua aprovação trará impacto nacional de longo prazo, e uma série de interesses legítimos como estados e municípios que poderão sofrer perda de arrecadação”, considera.

 

Enquanto a tributação sobre os dividendos no Brasil começa a ganhar força no debate público, na maior parte dos países da OCDE a taxação que incide sobre o valor aos acionistas é regra. O percentual da alíquota varia de país para país. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa é de 28%, na Alemanha, de 26%, no Japão, de 20%, e na França de 34%.

 

Imposto sobre grandes fortunas acumula projetos no Congresso Nacional

 

Outra medida que, normalmente, aparece nesse tipo de debate é a criação do imposto sobre grandes fortunas (IGF), que inclusive está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca teve uma norma aprovada no Congresso Nacional.

 

As tentativas, contudo, são recorrentes. Conforme levantamento do Insper, de 1989 a 2020, 49 projetos de lei do gênero tramitam ou já tramitaram no Legislativo nacional. A gestão econômica atual, porém, não deve incentivar o seu avanço. O ministro Paulo Guedes já se manifestou contrário à ideia do IGF, pois, segundo ele, há risco de a iniciativa fazer os recursos serem enviados para o exterior.

 

Na mesma linha, o professor e membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Donovan Mazza Lessa, vê a tributação de grandes fortunas como uma medida ineficiente. “Em todos os países em que tal tributo foi implantado, seguiu-se com uma enorme repulsa social e uma dificuldade de fiscalização pela complexidade de se mensurar as diversas formas de riqueza”, afirma.

 

Conforme Lessa, o IGF deveria funcionar como uma tributação periódica que depende de uma avaliação do patrimônio da pessoa, mas não há consenso sobre como avaliar as participações societárias (se pelo valor nominal ou patrimônio contábil), os imóveis (valor histórico ou de mercado) e os investimentos financeiros, que podem sofrer flutuações.

 

“Por isso, a tributação de grandes fortunas implementada por outros países acabou reduzida à tributação do patrimônio imobiliário, deixando de fora grandes parcelas de manifestações de riqueza. A consequência é a diminuta arrecadação decorrente destes tributos e, ainda, a fuga de capitais para outros países onde não há tal tributação”, afirma.

 

Conforme dados do Instituto Justiça Fiscal, a criação do IGF renderia uma arrecadação na ordem de R$ 40 bilhões ao ano, o que, segundo o advogado da área tributária Fábio Nieves Barreira, é um valor considerado aquém do necessário. “No primeiro trimestre de 2022, o País totalizou R$ 548,13 bilhões de reais em arrecadação. Portanto, o que se ganharia com a tributação sobre grandes fortunas é pouco na comparação com a atual arrecadação da União”, pondera.

 

Segundo dados da OCDE, dos 37 países membros, 12 já instituíram esse tipo de imposto (Alemanha, Espanha, França, Dinamarca, Áustria, Noruega, Islândia, Finlândia, Luxemburgo, Suécia, Suíça e Holanda). Porém, em razão do risco de fuga de capitais e a facilidade de driblar o imposto fez com que muitos desses países revogaçem a taxação. Considerando as nações que fazem parte da OCDE, atualmente, o imposto sobre grandes fortunas ainda vigora somente na Espanha, na Noruega e na Suíça. Na França, desde 2018, no governo de Macron, o IGF passou a incidir apenas sobre imóveis.

 

Propostas querem tornar o sistema tributário brasileiro mais justo

 

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden também já demonstrou interesse em aumentar os impostos aos mais ricos, segundo o seu projeto de orçamento publicado no final de março. A proposta, chamada “Billionaire Minimum Income Tax”, busca criar uma alíquota mínima de 20% sobre as rendas anuais de mais de US$ 100 milhões. De acordo com a Casa Branca, esse imposto atingiria 0,01% das famílias do país.

 

Além disso, o orçamento de 2023 do governo norte-americano planeja subir a alíquota de imposto sobre as empresas para 28%, revertendo a lei aprovada em 2017, sob a administração do ex-presidente Donald Trump, que a reduziu para 21%.Também prevê o aumento da alíquota do imposto de renda sobre as famílias que ganham mais de US$ 400 mil – que subiria de uma alíquota de 37% para 39,6%.

 

No Brasil, um estudo encomendado pela Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) recomenda medidas semelhantes como forma de reduzir as desigualdades e auxiliar as contas do Tesouro. O documento defende, por exemplo, a elevação das alíquotas da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) pelos próximos quatro anos e a implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).

 

“O fruto do estudo foi a elaboração de oito propostas que gerariam um acréscimo na arrecadação de aproximadamente R$ 292 bilhões anuais, incidindo sobre as altas rendas e o grande patrimônio”, afirma o diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais da Fenafisco, Francelino Valença.

 

Conforme Valença, a conclusão da análise é de que seria “perfeitamente possível” mitigar os efeitos econômicos em decorrência da pandemia. “O mais interessante é que impactaria somente 0,3% da população, nesse caso, os mais ricos. Não estamos nos referindo à classe média, mas àqueles cujo aumento da tributação nessas duas bases de incidência tributária não impactaria o seu sustento, muito menos causaria uma redução significativa do seu padrão de consumo”, concluiu.

 

Afinada a essa opinião, o coordenador de incidência e programas em justiça social e econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, rebate as críticas de que medidas como a implementação sobre grandes fortunas seriam ineficientes, mas reconhece que elas, por si só, não resolveriam as desigualdades do País. “Somente alterar imposto sobre grande fortuna não resolve todo problema sozinho, mas contribuiria para tornar o sistema tributário mais progressivo”, defende.

 

Além do IGF, Nascimento cita algumas medidas defendidas pela Oxfam para tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e progressivo, como a simplificação do imposto sobre consumo; um número superior de faixas de alíquota para rendas maiores nas taxações sobre imposto de renda pessoa física; revisão do imposto de renda pessoa jurídica no que se refere ao mecanismo de juros sobre capital próprio e revisão do imposto territorial rural para que aumente a sua capacidade arrecadatória no País.

 

Em maio do ano passado, levantamento publicado pela Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Datafolha mostrou que mais da metade dos brasileiros (56%) defende o aumento de impostos para financiar políticas públicas sociais, como investimento em educação, moradia e saúde aos mais necessitados do País, e 84% concordam que os mais ricos devem pagar mais impostos para financiar esses serviços públicos.

 

Intitulada Nós e as Desigualdades, a pesquisa revela ainda que 86% dos brasileiros e brasileiras afirmam que o governo tem a obrigação de reduzir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres e 85% pensam que o poder público precisa reduzir as desigualdades regionais no Brasil.

 

Aos poucos, medidas convergentes à opinião pública revelada pelo estudo começam a ganhar força ao redor do mundo, em especial, após a pandemia do novo coronavírus. Em abril deste ano, por exemplo, o FMI (Fundo Monetário Internacional) sugeriu aos países que enfrentam problemas de falta de recursos públicos que avaliem aumentar as taxas sobre empresas que tiveram lucros acima da média em meio à crise sanitária. O órgão, porém, não detalhou como essa taxação poderia ocorrer na prática.

 

A alegação é de que muitos governos deram auxílios econômicos durante a pandemia, como reduções de impostos, que serviram de suporte para empresas e famílias em um momento de dificuldade. Por outro lado, isso levou ao aumento do endividamento dos governos, que agora se encontram com menor poder financeiro para seguir apoiando áreas necessitadas. No Brasil, por exemplo, a dívida pública federal deve alcançar R$ 6,4 trilhões neste ano, conforme previsão do Tesouro Nacional.

 

Outro exemplo se deu na Argentina, no final de 2020, quando foi aprovado o que ficou conhecido como “imposto de grandes fortunas”, uma lei que tributa uma única vez patrimônio de mais de 200 milhões de pesos argentinos. O percentual de taxação varia entre 2% e 3,5% quando a fortuna declarada ao Tesouro ultrapassar 35 milhões de dólares.

 

No Brasil, o debate relacionada a esse movimento ganhou um novo capítulo no dia 9 de maio, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o andamento de uma reforma do Imposto de Renda (IR) mais enxuta, criando taxação sobre dividendos, que é a parte do lucro das companhias distribuída aos acionistas, além de uma redução na tributação sobre as empresas.

 

A minirreforma tributária envolveria a redução da alíquota de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), dos atuais 34% para 30%. Os dividendos, por sua vez, seriam taxados em 10% (hoje, eles são isentos). Se aprovadas, as medidas entrariam em vigor em 2023.

 

“A hora é agora. Já aprovamos a reforma da Câmara dos Deputados, está travada no Senado. Podemos fazer versão tributando os super ricos e reduzindo os impostos sobre as empresas, é o que falta para receber os investimentos de fora”, afirmou Guedes

 

O projeto mencionado pelo ministro que se encontra paralisado no Senado prevê taxação de lucros e dividendos de 15% e tributação do lucro das empresas de 34%. Ou seja, a minirreforma do governo federal teria alíquotas mais brandas nesse sentido.

 

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator da proposta do Imposto de Renda no Senado, é crítico ao conteúdo da peça já aprovada no Congresso Nacional e vê como positiva a fala recente de Guedes. “Havendo uma efetiva redução da tributação das empresas e uma simplificação de suas obrigações, vejo como positiva a fala do ministro”, afirmou.

 

Segundo o senador, a proposta que veio da Câmara precisaria de vários ajustes para se tornar viável. “A partir do momento em que a reforma seja para simplificar, para reduzir a tributação e não prejudique os contribuintes, a chance de avanço da matéria ganha corpo”, afirmou.

 

Enquanto a equipe econômica do governo federal estuda mudanças para empresas, a pasta não prevê alterar neste ano o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. A análise jurídica é de que há restrições impostas pela legislação eleitoral, uma vez que a medida ampliaria a faixa de isenção.

 

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