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PSG NA MÍDIA

8 de dezembro de 2022

Retrospectiva do Direito Ambiental em 2022

Rodrigo Borges de Barros

 

O Direito Ambiental é marcado por sua peculiaridade redacional, consequência da amplitude de seu objeto – o meio ambiente. Um tema transversal, perpassando pelas demais áreas do Direito, assim como dos vários ramos científicos e técnicos. Desse modo, vislumbrando ao atendimento múltiplo de sua finalidade, o constituinte conferiu competência legislativa concorrente. O resultado é uma vasta produção legiferante provocando, grande parte das vezes, discordâncias entre os múltiplos setores afetados e a consequente judicialização. Esse ano não foi diferente e, por motivação didática, abordarei, num primeiro momento, as principais produções normativas em âmbito federal. Na sequência, apresentarei as principais discussões judiciais.

 

Na literatura jusambientalista há grande dissenso sobre a abrangência e classificação do meio ambiente. Encontramos o meio ambiente natural, o artificial, o cultural e o do trabalho. Utilizando-me daquelas que me convencem, foi possível encontrar os seguintes números de produção normativa, desconsiderando a elaboração pelos órgãos administrativos: 6 Leis Ordinárias; 1 Medida Provisória; 22 Decretos; e, 1 Emenda Constitucional.

 

Entre as Leis publicadas sobressaem: a) a redefinição dos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos; b) a alteração dos limites da Floresta Nacional de Brasília; c) a inclusão de uso da aviação agrícola nas diretrizes e políticas governamentais de combate a incêndios florestais; d) a instituição de 19 de abril como Dia dos Povos Indígenas; e) a instituição da Campanha Junho Verde na Política Nacional de Educação Ambiental; e, f) o estabelecimento de barreiras sanitárias protetivas de áreas indígenas. Quanto à Medida Provisória destaca-se a disposição sobre as Indústrias Nucleares do Brasil, pesquisa, lavra e comercialização de minérios nucleares.

 

A alteração de limites de Unidades de Conservação (Parques, entre outras modalidades), seja para mais ou para menos, é tema de extremo embate e contraposição teórica. É possível reduzir o espaço de áreas protegidas? Para aumentar a área protegida há a flexibilização de procedimentos? Existe algum critério formal estabelecido para ensejar a redução? Necessita de audiência pública? Enfim, inúmeras provocações legítimas e, em grande parte, levadas ao Judiciário. O antigo e contínuo debate sobre os incêndios florestais. Como contê-los? Há algum limiar para considerar o incêndio cíclico, natural, pertencente à dinâmica climática ou sempre deve ser controlado pelo ser humano? A projeção da proteção dos povos tradicionais ganhou mais evidência, um desenlace fruto da pandemia. Salientando o caráter transdisciplinar da temática ambiental, sobreveio a normatização nuclear, matéria afeta, privativamente, à União.

 

Os Decretos, em número muito mais expressivo, atingiram notável gama de abordagens, entre elas: a) transferência de recursos entre os entes federados para recuperação em áreas atingidas por desastres; b) aprovação do Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas; c) infrações decorrentes das autorizações de pesquisa, das permissões de lavra garimpeira, das concessões de lavra e do licenciamento em atividade minerária; d) emenda à Convenção sobre a Proteção Física do Material Nuclear; e) atos normativos para imposição de licenças ou autorizações como requisito para importações ou exportações de mercadorias; f) prazo de comprovação de redução de emissões de gases do efeito estufa para a comercialização de combustíveis; g) instituição da Política Mineral Brasileira e o Conselho Nacional de Política Mineral; h) alteração das infrações e sanções administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; i) estabelecimento dos procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituição do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa; j) instituição do Certificado de Crédito de Reciclagem; k) aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos; l) instituição do Plano Nacional de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais; m) incentivo ao uso sustentável de biogás e biometano; n) promulgação das Emendas aos anexos da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios; o) promulgação da Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de Navios; p) instituição do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala; q) estabelecimento de critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga para atividades minerárias de pequeno porte, principalmente; r) qualificação de Unidades de Conservação para o Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, incluídas no Programa Nacional de Desestatização; s) disposição sobre o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional; t) disposição para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental; u) criação do Regulamento da Política Nacional de Resíduos Sólidos; e, v) disposição sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas.

 

Em conclusão às novações normativas está a Emenda Constitucional de número 123, de 14 de julho, estabelecendo, resumidamente, diferencial de competitividade para os biocombustíveis. Como apontado no início deste levantamento, a produção normativa é extensa, porém de suma importância. Os desafios são postos e, sem a tentativa do acerto pelo regramento, mais perigoso é o vazio, de forma a propiciar instabilidade social, jurídica, econômica, hastear a crise política e, assunto em ascensão, fomentar o ativismo judicial. A atividade normativa é dinâmica, será ajustada às variadas necessidades da coletividade no tempo e, quase sempre, alvo de conformação no judiciário.

 

Foram, no mesmo tom, diversificados julgamentos nos tribunais pátrios. Contudo, atendendo ao escopo de síntese, apresentarei uma restrita coleção dos Tribunais Superiores:

 

a) Em Santa Catarina, as operadoras de celular questionaram o licenciamento ambiental para instalação de antenas, resultando no julgamento da ADI 7247 pelo STF – Supremo Tribunal Federal;

 

b) Em outro julgamento, o STF decidiu a ADI 4757, de abordagem da Lei Complementar 140/11, sobre a competência administrativa em matéria ambiental, um dos casos mais expressivos e aguardados;

 

c) O STF julgou válidas as normas estaduais que estabeleceram taxas de fiscalização mineral;

 

d) A Teceria Turma do STJ – Superior Tribunal de Justiça permitiu a rescisão de pacto de exploração ambiental por violação da boa-fé objetiva;

 

e) A Primeira Turma do STJ confirmou a legalidade de autorização para a queima da palha da cana-de-açúcar pela agroindústria, sob o manto do anterior Código Florestal;

 

f) A Segunda Turma do STJ firmou o entendimento de que, nos casos de extração ilegal de minérios, a indenização à União deve ser fixada em 100% do faturamento obtido com a atividade irregular ou do valor de mercado extraído;

 

g) O STJ suspendeu decisão do TRF-4 e permitiu a pesca da tainha também com a modalidade do emalhe alinhado; e,

 

h) O STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 708, firmou a tese – “O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vetado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, §2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, §2º, LRF)”.

 

Lembrando tratar-se de um compêndio, foram reunidas, aqui, valorosas contribuições para o meio ambiente ocorridas nesse ano, não descurando das contrariedades existentes e alvo de novos capítulos resultantes da permanente mudança de concepção acerca desse tema. Por certo, acredito na evolução e aprimoramento normativo, com o exercício do controle pelos instrumentos legítimos à nossa disposição.

 

*Rodrigo Borges de Barros, consultor ambiental do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados. Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/MG; mestre em bioética e com doutorando em biocombustíveis, também é professor universitário e avaliador/parecerista da Revista de Direito da Cidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Revista Quesito Iuris da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

 

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