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25 de maio de 2021

Aplicação do Artigo 404 do Código Civil como Suplemento a Correção Monetária e Juros na Justiça do Trabalho – Memorando Trabalhista Artigo | Ed. 04-2021

Leonardo Vieira

 

Vez ou outra, na Justiça do Trabalho, traz-se questões que parecem deveras intermináveis ou minimamente, ao malogro da dialética Hegeliana que teria um final, ainda que escatológico. Porém, a dialética da Justiça trabalhista ou está longe de um final escatológico ou, como diria Nietzsche estaria para um eterno retorno do mesmo, do qual, a repetição estará sempre presente, mudando apenas da roupagem que se está vestindo.

 

E assim, novamente, cá estamos diante da discussão acerca da correção monetária dos débitos trabalhistas. Contudo, para entendermos o tema, devemos resgatar ao ano de 1991, que trouxe a Lei n.º 8.177/91 a qual determinava a atualização dos valores devidos na Justiça do Trabalho pela Taxa Referencial Diária (TRD).

 

Veja que naquele contexto histórico, vivíamos no Brasil época de hiperinflação e ano anterior ao impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello. Nesse período a inflação entre os anos de 1990 e 1999, teve variação anual média de 492,28%, conforme FIPE[1], até por isso, nota-se o nome do índice: taxa referencial diária, pois muitas vezes, os valores na gôndola do supermercado chegavam a alterar em questões de horas. Dessa forma, desde então, aplicava-se para a correção dos débitos trabalhistas, a taxa referencial diária combinada com juros de mora de 1% ao mês, conforme artigo 39 da Lei n.º 8.177/91.

 

Contudo, em 2015 – 14 anos depois – o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que os créditos trabalhistas deveriam ser atualizados com base na variação do IPCA-E, pois, findo o período de hiperinflação, o índice da TRD encontrava-se praticamente zerado ou até mesmo negativo, dado ao acumulado anual, à referida decisão foi suspensa pelo STF até dezembro de 2017.

 

No ano seguinte (2016), após grande desgaste com setor financeiro e Congressistas, a então Presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment, onde seu Vice, Michel Temer, assumiu a Presidência da República, trazendo as promessas de modernização da Legislação Trabalhista e Previdenciária, tendo tido êxito somente na primeira.

 

Dessa forma, em 2017 foi aprovada a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que trouxe o §7º ao artigo 879 da CLT, que novamente definiu a TRD como índice de atualização tanto dos créditos decorrentes das condenações, quanto dos depósitos recursais, conforme artigo 899, §4º da CLT. Ambas as normas celetistas, foram questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), que buscava a inconstitucionalidade dos dispositivos por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n.º 5867 e 6021, e, contrario sensu, por entidades MEMORANDO TRABALHISTA – ARTIGO dos setores bancário e empresarial, que buscavam pela sua constitucionalidade por meio das Ações Diretas de Constitucionalidade de n.º 58 e 59.

 

Cabe ressaltar, que após a entrada em vigor da Lei n.º 13.467/2017, o TST modulou os efeitos da decisão, para que fosse aplicado o IPCA-E somente após 25/03/2015 e, no período anterior, que fosse mantida a aplicação da TRD como índice remunerador.

 

Nesse sentido, no fim do ano de 2020, o Ministro do STF Gilmar Mendes, relator das ações, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos em que o tema era discutido, até que sobreviesse decisão para fixar e modular seus efeitos. Em 7 de abril de 2021 foi publicado o Acórdão do Supremo Tribunal Federal nos autos das ADC n.º 58 e 59, além das ADI n.º 5.867 e 6.021, tratando acerca dos índices de correção monetária nas reclamações trabalhistas em geral. Essa foi a tão falada decisão que determinou a aplicação da SELIC, sem juros, e aplicou efeito modulador.

 

Assim, o STF quando da decisão conjunta das ADC e ADI, na esperança de que sua decisão finalmente sedimentasse a discussão, surgiu uma nova questão – para o azar da skatós – de alguns Juízes e Desembargadores do Trabalho que decidiram por aplicar de ofício os artigos 404, parágrafo único e 944, parágrafo único do Código Civil, determinando indenização suplementar.

 

Em suas razões, a rigor, a tese gira em torno do fato de que não há no ordenamento jurídico-trabalhista qualquer previsão de multa ou juros de mora pelo atraso no pagamento das verbas de natureza contratuais. Doravante, traz os fatos de que o contrato de trabalho possui natureza meramente de adesão, pois o empregado não possui quaisquer meios para a discussão das cláusulas ali contidas, sendo certo, que em decorrência do cenário de desemprego que assola o país, ao empregado resta apenas o fato de aceitar, pois ter um emprego tornou-se luxo nos idos anos de crise em que vivemos desde 2014.

 

Seguindo tal raciocínio, traz-se a questão de que no ordenamento jurídico trabalhista as penalidades ao empregador que são revertidas ao trabalhador são apenas aquelas previstas pelos artigos 467 e 477 da CLT, que possuem aplicação deveras específicas. Além disso, há a previsão da justa causa do empregado, conhecida como rescisão indireta, prevista pelo artigo 483 da CLT. Contudo, tal instituto não traz tantas vantagens ao empregado, pois este fica sem emprego, embora seu emprego não seja o melhor ambiente – tal hipótese somente é possível após decisão judicial – ainda assim é um emprego.

 

Assim, seguindo a ratio trazida pelos Julgadores, a demora da quitação dos respectivos direitos trabalhistas, bem como da ausência penal no ordenamento jurídico-trabalhista, autorizaria o Juízo ao arbitramento de indenização suplementar, diante da insuficiência de juros de mora para cobrir tal prejuízo, bem como para atender minimamente as necessidades do trabalhador. Dessa forma, argumentam que faz-se mister a aplicação do artigo 404 do Código Civil para haver tal reparação, pois em combinação com o artigo 944 do mesmo diploma legal que traz o princípio da reparação integral.

 

Sendo assim, entendeu-se por aplicável a respectiva indenização suplementar autorizada pelo artigo 8º do CPC, pois “o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”. Lado outro, para fixação de tal índice suplementar, a Turma Julgadora no processo nº 1000451-45.2019.5.02.0718, verificou que entre dezembro de 2015 e dezembro de 2020, segundo o DIEESE[2], a sexta básica teve um reajuste anual de 10,64% e 0,89% ao mês, sendo assim, dever-se-ia aplicar 0,89% ao mês desde a propositura da ação.

 

Entretanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC nº 58 é taxativa no sentido de que não é aplicável qualquer índice cumulado com a taxa SELIC, aplicável a partir da citação do réu:

 

“A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem (…) os processos em curso (…) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF”.

 

Assim, em 20 de abril de 2021, em decisão monocrática a Ministra Carmen Lúcia cassou a decisão proferida no processo nº 0010561.14.2015.5.15.0132, por meio da RCL nº 46550/SP:

 

“A forma de atualização estipulada na decisão reclamada, se admitida, conduziria à inefetividade do que decidido por este Supremo Tribunal no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade ns. 58 e 59 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 5.867 e 6.021, pois restabeleceria, de modo oblíquo, a forma de cálculo antes empregada pela Justiça do Trabalho na atualização dos débitos trabalhistas (TR ou IPCA-E e juros de 12% ao ano). (…) 7. Pelo exposto, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão proferida pela Quinta Vara do Trabalho de São José dos Campos na Reclamação Trabalhista n. 0010561- 14.2015.5.15.0132 e determinar outra seja proferida como de direito, observando-se os limites do que definido nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade ns. 58 e 59 e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 5.867 e 6.021.”

 

Dessa forma, ao contrastar a decisão do STF nas decisões das ADC nº 58 e 59 que receberam efeito erga omnes, bem como das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.867 e 6.021 e do entendimento proferido pelo C. STF na RCL nº 46550/SP, com a aplicação dos artigos 404 e 944 do Código Civil, ocorreria a correção sobre correção e juros sobre juros – verdadeiro anatocismo -, um duplo bis in idem, causando enriquecimento sem causa ao empregado. Com a aplicação da SELIC para correção monetária, tal índice já comporta juros – por isso chamada de taxa básica de juros, estaria, então o crédito sendo corrigindo monetariamente duas vezes, em efeito cascata. Dessa forma, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADC nº 58 e 59 que receberam efeito erga omnes, bem como das ADI nº 5.867 e 6.021 e do entendimento proferido pelo C. STF na RCL nº 46550/SP, bem como do artigo 884 do Código Civil, flagrantemente a ilegal a aplicação dos artigos 404 e 944 do Código Civil, à luz da pacificação dada ao tema pelo STF.

 

[1] https://www.inflation.eu/pt/taxas-de-inflacao/brasil/inflacao-historica/ipcinflacao-brasil-1991.aspx

[2] Retirado do Acórdão do processo nº 1000451-45.2019.5.02.0718 proferido em 22.04.2021.

 

Peluso, Stupp e Guaritá Advogados

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