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4 de maio de 2021

As Recentes Decisões que Reconheceram o COVID-19 como Doença Laboral

Gabriela Carvalho

 

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo enfrentava uma pandemia com a disseminação do vírus Sars-Cov-2. Mais de um ano depois, e ainda enfrentamos a COVID-19 sem perspectivas concretas de uma erradicação da doença.

 

Por outro lado, neste intervalo de um pouco mais de um ano já temos oito vacinas aprovadas ao redor do mundo e outras oitenta e nove em fase de testes clínicos, de acordo com o monitoramento de vacinas do The New York Times[1].

 

Quando olhamos para a questão da pandemia no âmbito da Justiça do Trabalho, notamos que, desde que o Grupo de Trabalho – GT – COVID 19 – do Ministério Público do Trabalho emitiu a nota técnica n.º 20/2020[2], orientando a emissão de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) para empregados que adquirissem a doença, tem se espalhado o número de decisões judiciais nesse sentido.

 

A última decisão que ganhou publicidade na mídia e, possivelmente, uma das mais expressivas, foi proferida pelo juiz José Ricardo Dily, titular da Vara do Trabalho de Três Corações/MG – portanto ainda está pendente de análise de recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais – em que se reconheceu a COVID 19 como doença do trabalho, e determinou, em razão do falecimento do empregado, o pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$200.000,00 aos dependentes, além de pensão mensal para a filha menor de idade, até que complete 24 anos e para a viúva, até que o de cujus completasse 76,7 anos de idade (expectativa média de vida divulgada pelo IBGE[3]).

 

Na citada decisão, o juízo entendeu que as provas documentais e testemunhais produzidas indicaram que a contaminação possivelmente se deu dentro do período em que o empregado (motorista) estava à disposição da empresa, em deslocamento entre as cidades de Jundiaí /SP a Recife/PE.

 

Foram utilizados como fundamento para condenação: (i) o fato de o empregado ter sido o único contaminado dentro do seu núcleo familiar; (ii) a adoção da teoria da responsabilização objetiva, por entender que o empregador assumiu os riscos por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante período agudo da pandemia do COVID-19; (iii) a ausência de produção de prova pelo empregador de que foram tomadas as medidas profiláticas e de sanitização do ambiente de trabalho do empregado em todas as oportunidades que o veículo era conduzido por terceiro (por exemplo, nos pátios de carga e descarga); (iv) comprovação insuficiente de entrega de máscara e álcool em gel ao empregado; e (v) ausência de comprovantes de comparecimento do empregado em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção em face do COVID19.

 

Outra decisão emblemática foi proferida pelo magistrado Willian Alessandro Rocha da Vara do Trabalho de Poá[4] e, posteriormente, ratificada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em ação civil pública movida pelo Sindicato (Sintect) em face dos Correios, especificamente o Centro de Distribuição de Poá/SP.

 

Nesse caso foi determinada a emissão de CAT para seis empregados que adquiriram a doença, porque, no entender do magistrado: “tendo em conta o contágio na mesma época, aliado ao fato de, como visto acima, a ré não ter tomado todas as cautelas para prevenção da contaminação da doença, é muito provável que o contágio se deu em razão do labor na reclamada, tendo em conta a maior exposição ao risco, podendo-se presumir o nexo causal em razão das especiais condições de trabalho dos empregados substituídos”.

 

Também foram usados como argumentos: (i) o fato da Medida Provisória nº 927/2020 não ter sido convertida em lei, além do seu artigo 29 ter sido declarado inconstitucional pelo C. STF (ADI n.º 6342, 6344, 6346, 6348, 6352, 6354 e 6375); (ii) a impossibilidade de se provar o momento e o local onde os empregados contraíram a doença COVID-19 e, por isso, se trata do que a doutrina denomina de “inesclarecibilidade” dos fatos, já que não é possível produzir prova de qualquer sorte para seu esclarecimento, em razão disso, a solução do caso deve se dar por convicção de verossimilhança, a partir dos elementos indiciários existentes no processo; (iii) de que os empregados estavam muito mais expostos ao contágio no centro de distribuição de Poá, porque a empresa não tomou medidas preventivas mais efetivas para evitar o contágio, sendo evidente que os maiores riscos de contágio se deram no ambiente de trabalho; (iv) além de que o contágio se deu na mesma época, para os seis empregados, e por isso, seria muito provável que eles tenham adquirido a doença no local de trabalho, onde estavam muito mais expostos ao contágio.

 

Decisões similares já foram proferidas e ganharam publicidade em outros Estados, como, por exemplo, Rio Grande do Sul[5] e Rondônia[6].

 

Possivelmente outros Estados também podem ter reconhecido a COVID-19 como doença laboral, sem, no entanto, que tal decisão tenha atraído à atenção da mídia e ganhado notoriedade como essas citadas acima.

 

No entanto, analisando os argumentos das decisões em questão, notamos, em todas elas, que o ponto central da caracterização da COVID-19 como doença do trabalho decorre do fato que os empregadores não geraram/tomaram as medidas necessárias de proteção, tais como fornecimento de álcool gel e máscaras, não providenciaram o correto distanciamento social, e não havia a correta higienização do ambiente de trabalho.

 

O fato é, do mesmo modo que no âmbito científico as descobertas sobre o Sars-Cov-2 se reciclam constantemente, na seara trabalhista a celeuma sobre o reconhecimento da COVID-19 como doença laboral também está longe de se pacificar.

 

Um Projeto de Lei proposto pelo Deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), nº 2406/20, que pretende que a COVID-19 seja caracterizada como doença ocupacional, independentemente da comprovação do nexo causal, tramita em caráter conclusivo e está pendente de análise pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania[7].

 

Assim, como operadores do direito, entendemos que nos compete atenção às mudanças legislativas sobre o tema e a construção do entendimento jurisprudencial sobre o assunto – independente de o entendimento majoritário entender que a COVID-19 pode ser caracterizada ou não como doença ocupacional.

 

[1] https://www.nytimes.com/interactive/2020/science/coronavirus-vaccinetracker.html

[2]https://mpt.mp.br/pgt/noticias/coronavirus-veja-aqui-as-notas-tecnicas-domptfbclid=IwAR23XKi5VatvrjGLEUGsMG86zTzxfCjy4tVe_QUfQigcSa40v1FI9BKKb8k

[3] 0010626-21.2020.5.03.0147

[4] 1000708-47.2020.5.02.0391

[5] 0020462-40.2020.5.04.0551

[6] 0000747-22.2020.5.14.0005

[7] https://www.camara.leg.br/noticias/747007-projeto-permite-caracterizarcovid-como-doenca-ocupacional/

 

 

Peluso, Stupp e Guaritá Advogados
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