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29 de junho de 2021

Mas afinal, exclusividade é ou não um dos pressupostos para caracterização do contrato de emprego? – nº 7 Trab. – Junho/2021

De tempo em tempos nos deparamos com notícias acerca de julgamentos que nos levam a acreditar que a exclusividade seria um dos requisitos do contrato de emprego. Essas se tornaram mais frequentes diante das constantes veiculações a respeito de casos movidos por trabalhadores em face de plataformas digitais.

 

O artigo 3º da CLT estabelece os quatro pressupostos que devem estar presentes para que uma relação de trabalho seja configurada como de emprego, são eles: (i) pessoalidade; (ii) habitualidade; (iii) onerosidade; e (iv) subordinação. Daí se percebe, de maneira clara a transparente, que a exclusividade não é um dos requisitos elencados na lei.

 

Tanto assim que o artigo 138 da CLT[1] estabelece, expressamente, que um empregado fica proibido de exercer atividade laborativa durante as férias, salvo se estiver obrigado por regular contrato de trabalho; então, a própria lei admite a coexistência de dois contratos de trabalho. E nem poderia ser diferente, porque isso afrontaria a garantia ao livre exercício do trabalho, consagrado no artigo 5º, inciso XIII da CF[2].

 

Lembremos que é comum em várias profissões o fato de o trabalhador ter mais de um contrato de emprego, como é o caso de médicos, enfermeiras, professores, seguranças, etc.

 

Então, por que constantemente somos levados a pensar o contrário, ou seja, que a exclusividade seria sim um pressuposto do contrato? O ponto é que a exclusividade, apesar de não ser um pressuposto, a sua inexistência pode tocar em aspectos do requisito mais importante de reconhecimento da existência de um contrato de emprego, qual seja, a subordinação.

 

A subordinação, como regra, é a sujeição a ordens, dentre as quais estão as determinações do que, como e quando fazer; logo, como essência do contrato de emprego, cabe ao empregador determinar ao empregado que tarefa deve ser executada, como ela deve ser executada, e quando deve ser executada. Nesse cenário, a existência ou não de exclusividade numa relação de trabalho pode ser o elemento crucial para demonstrar se o contratante tinha ou não o real poder de tais determinações.

 

A presença de exclusividade no contrato, por si só, não é capaz de demonstrar se havia ou não subordinação em determinada relação de trabalho. Mas, a sua inexistência pode ser sim capaz de demonstrar a falta de subordinação, caso o trabalhador tenha o poder de decidir como e quando fazer determinada tarefa, e mais do que isso, estabelecer para quem executar determinada tarefa em determinado momento.

 

As decisões abaixo tornam a questão bastante clara, verbis:

 

“VINCULO DE EMPREGO. CONTRATO DE TRABALHO. REQUISITOS. Embora a exclusividade não seja requisito do contrato de trabalho, a doutrina e a jurisprudência têm nela enxergado poderoso auxílio para a solução de controvérsias calcadas na existência da relação de emprego. E, no caso dos autos, a ausência de exclusividade, confessada pelo reclamante, aponta também para a inexistência de subordinação jurídica, porquanto isso torna evidente que poderia ele escolher entre os serviços ofertados pela reclamada e por outras empresas. Recurso do proletário a que se nega provimento”. (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – Recurso Ordinário – Processo n. 0000721-18.2013.5.02.0065 – Desembargador Relator Roberto Vieira de Almeida Resende – Publicado em 25.08.2015) – destaque nosso

 

“REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – AUTONOMIA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CARACTERIZADO. (…) Restou demonstrado, outrossim, que o de cujus figurava no quadro societário de outra empresa, e que comercializava produtos de outros clientes. Ora, é certo que a exclusividade não é característica intrínseca do contrato de emprego (art. 3º, CLT) e tampouco a sua ausência é necessária para que se configure a representação comercial (art. 27, i, da Lei 4.886/65), não obstante, resta patente que as provas colhidas demonstram que o de cujus possuía significativa autonomia, escolhendo os clientes para os quais pretendia trabalhar. Assim, em consonância com o entendimento do Magistrado a quo, tenho que os elementos probantes não são aptos a indicar a existência de relação de emprego, pois ausentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT. (…)” (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – Recurso Ordinário – Processo n. 1000425-09.2016.5.02.0312 – Desembargador Relator Ricardo Artur Costa e Trigueiros – Publicado em 21.02.2019 – p. 13791) – destaque nosso.

 

Como visto, se o trabalhador tem o poder de decidir para quem deve executar determinada atividade em determinado momento, significa que possui autonomia de desempenho e, portanto, não há que se falar em vínculo de emprego.

 

Isso se torna bastante latente quando analisamos a questão dos motoristas e entregadores que prestam serviços por meio de empresas de plataforma digital, pois esses trabalhadores ficam logados simultaneamente a diversas plataformas. Com isso, acompanham de forma síncrona os chamados que surgem, e a partir daí decidem qual querem executar, o que significa que decidem inclusive qual plataforma digital querem atender em determinado momento.

 

É verdade que no caso desses motoristas e entregadores, outros elementos existem, e acabam esfumaçando a análise jurídica, como o fato de o valor das corridas e das entregas ser definido pelas plataformas digitais, e também a possibilidade de rescisão contratual caso as avalições dos clientes não atinjam determinada pontuação. Mas, como dito, esses aspectos apenas esfumaçam a análise porque em essência os motoristas e entregadores têm sim autonomia na execução das atividades, diante da clara ausência de exclusividade com a plataforma digital.

 

Diante desse contexto, resta claro que a exclusividade não é um dos pressupostos do contrato de emprego, mas a sua ausência pode servir de elemento para demonstrar que há inexistência de subordinação.

 

NOTAS:

[1] “Durante as férias, o empregado não poderá prestar serviços a outro empregador, salvo se estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato de trabalho regularmente mantido com ”

 

[2] “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

 

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